domingo, 1 de agosto de 2010

A história da pornografia 3

Pornografia digital

A fotografia e as máquinas de impressão, que tornavam a produção em série mais barata, deram força à pornografia a partir da segunda metade do século 19. Fotos de modelos nuas e livros ilustrados começaram a ser vendidos nas principais cidades do mundo. A onda chegou ao Brasil por volta de 1870 e ganhou milhares de fãs. No Rio de Janeiro, circulavam centenas de títulos com histórias picantes.

"No final do século, metade dos 500 mil habitantes da cidade sabia ler. Muitos compravam livros eróticos importados. Os editores perceberam o filão e lançaram autores nacionais"

Diz a antropóloga Alessandra El Far, autora de Páginas de Sensação, que conta a trajetória da literatura pornô brasileira entre 1870 e 1924. Os livros que tratavam de sexo, ou "romances para homens", falavam de adultério, padres que largavam a batina, aventuras em prostíbulos ou incestos. Os autores, anônimos, morreram desconhecidos. Mas deixaram alguns títulos históricos - entre os melhores, Memórias do Frei Saturnino; Amar, Gozar, Morrer; As Sete Noites de Lucrécia e o enigmático Camarões Apimentados.
No fim do século, mais uma vez a tecnologia seria peça fundamental para a popularização pornográfica. Agora, a novidade era o cinema. Em 1896, apenas um ano após os irmãos Lumière estrearem seu invento com a exibição de A Saída dos Operários da Fábrica, cineastas já utilizavam a novidade para fins sacanas. Os filmes tinham nomes como Wonders of the Unseen World ("Maravilhas de um mundo não visto") e mostravam strippers tirando a roupa para a câmera. Um escândalo. Com o sucesso - e o lucro - desses filmetes, produtores resolveram ir além e exibir cenas de sexo explícito. Uma das mais antigas de que se têm registro está em Free Ride, de 1915, sobre um sujeito que dá carona em seu calhambeque a duas mocinhas - com quem transaria depois, sob uma árvore. Chamadas de stags films ("filmes para rapazes"), as fitas tinham de 7 a 15 minutos e eram filmadas na França, Estados Unidos e Argentina, um dos primeiros pólos mundiais de produção cinematográfica erótica. Os diretores não aliviavam no repertório de opções: havia sexo oral, lesbianismo e ménage à trois, sempre em cenas reais. A ousadia pode ser explicada porque os censores ainda não haviam atentado para o "perigo da imoralidade pornográfica".
Nas décadas de 1930 e 1940, os americanos aprovaram a primeira lei sobre censura no país e as fitas escassearam. O explícito deu lugar à insinuação. Assim entraram em moda os peep shows, onde o espectador pagava para assistir a um filme com mulheres dançando e tirando a roupa - mas não tudo. Poucos produtores arriscavam e faziam circular fitas de sexo explícito, exibidas em prostíbulos, cinemas clandestinos ou festas de ricaços moderninhos. Eram rodadas na Suécia, que permitia a pornografia.

O clima hippie de paz e amor e as passeatas por mais liberdade sexual nos anos 60 contribuíram para que os fãs dos filmes de sexo explícito pudessem, enfim, ser felizes para sempre - ainda que escondidinhos em cinemas de qualidade duvidosa. Em 1972, pela primeira vez uma produção pornográfica fez sucesso comercial. Era Deep Throat, a Garganta Profunda, história louquíssima de uma ex-engolidora de espadas que tem o clitóris na traquéia e procura solução para o problema transando com o médico, amigos e namorados. O filme arrecadou cerca de 600 milhões de dólares e fez de Linda Lovelace, a atriz principal, uma celebridade.

Linda tinha 23 anos quando filmou Garganta Profunda e recebeu 1.250 dólares de cachê. Ninguém poderia imaginar que, após Linda, as atrizes pornôs seriam multimilionárias e teriam trânsito livre em festas badaladas. Entre as estrelas da pornografia, ninguém supera a húngara radicada na Itália Ilona Staller, a Cicciolina. Em 1987, após fazer campanha mostrando os seios, ela foi eleita deputada. No Parlamento, defendeu projetos como a liberação da pedofilia e atuou entre militantes pela paz. Na primeira Guerra do Golfo, ofereceu uma solução ao seu estilo para o conflito: transar com George Bush e Saddam Hussein. "Um de cada vez!", dizia.

Muito do sucesso de Cicciolina aconteceu graças à invenção do videocassete. A conexão é simples: com as fitas em VHS, os apreciadores do pornô não precisavam mais se expor na porta de salas sujas e lotadas. Podiam se divertir na privacidade de casa.

"Com a chegada do vídeo, o pornô passou a ser produzido em larga escala, como uma linha de montagem. E isso marcou uma transformação significativa do produto".

Diz Nuno César Abreu, autor do livro O Olhar Pornô. O videocassete também barateou a produção pornô e fez o mercado erótico se multiplicar. Milhares de fitas com cenas de sexo, nas mais variadas modalidades, lotaram as locadoras. Hoje, estima-se que o mercado de DVDs, fitas VHS e canais de TV a cabo pornô movimente, anualmente, cerca de 14 bilhões de dólares no mundo - equivalente às vendas anuais de armamentos dos Estados Unidos.

O maior símbolo da fase "erótico em casa" é o americano John Stagliano, o Buttman (ou o "homem-bunda"). Dono de um império comercial, ele inventou um gênero conhecido como "porno-humorístico", em que manipula a câmera e, com ela ligada, conversa e faz piadinhas com os atores em cena. Muitas vezes, sai dos bastidores e participa da ação. A fórmula fez de Stagliano o maior vendedor mundial de filmes nas duas últimas décadas, lançando títulos como Exercícios de Buttman, As Férias Européias de Buttman e Buttman Vai ao Rio - ele adora filmar no Brasil, apesar de ter contraído aqui o vírus HIV. Buttman ficou milionário e sua empresa, a Evil Empire, é umas das gigantes do gênero, editando revistas e distribuindo filmes dele e de outros diretores para o mundo todo.

"Sou um voyeur incansável.
Adoro mostrar o sexo desse jeito divertido".

Costuma dizer. Será que os gregos gostariam desse estilo?

Superinteressante
Edição 212
Abril de 2005

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