domingo, 1 de agosto de 2010

A história da pornografia 2

Pecado capital

No início da Idade Média, por volta do século 6, clérigos católicos listaram a luxúria entre os pecados capitais. Na opinião deles, entregar-se aos prazeres carnais afastava o cristão da redenção espiritual. Aos tarados, sobrou apenas a opção de ouvir os "contadores de história", como eram conhecidos os andarilhos que faziam aparições em tabernas narrando histórias picantes sobre mulheres insaciáveis, defloramento de virgens e orgias.

A tolerância foi diminuindo até que, em 1231, a criação da Inquisição fez sumir da vista de todos a nudez e o sexo. A partir dali, homens e mulheres deveriam ser retratados com túnicas largas e longas. Nem mesmo o menino Jesus podia ser retratado do jeito que veio ao mundo. E os que narravam estripulias sexuais podiam ser condenados à fogueira ou ao exílio.

Foi o que aconteceu com um dos mais criativos autores da Idade Média. O florentino Giovanni Boccaccio, que escreveu o lendário Decameron entre 1349 e 1351, tornou-se uma espécie de Galileu da pornografia, um digníssimo mártir da carne. Seu livro tem cem histórias narradas por sete mulheres e três homens reunidos numa casa isolada, onde contam peripécias de sexo com sátiras à Igreja.
Numa delas, o personagem Filostrato descreve as peripécias de um jardineiro que se finge de mudo para conseguir emprego num convento de freiras. Contratado, ele transa com todas as religiosas. Em outro trecho, um monge seduz uma virgem durante uma prece. Para azar de Boccaccio, entre os poucos que tiveram acesso ao livro na época (adaptado para o cinema pelo italiano Píer Paolo Pasolini, em 1970) estavam alguns clérigos, que o acusaram de heresia. Boccaccio teve de fugir e se isolar no vilarejo de Certaldo, onde morreria em 1375. Só por volta do século 15, já no Renascimento, é que os artistas aproveitariam o afrouxamento do poder católico para deixar escapar uns pelados nas telas. Foi o que fez Sandro Botticcelli na pintura O Nascimento de Vênus, quadro clássico da época, que exibe no centro uma mulher nua e voluptuosa.

Os libertinos

A tolerância renascentista não durou muito tempo e a censura voltou a operar com força durante a Reforma, no século 16, que tratou de reacender o lado carola do velho continente. Entraram em cena, então, autores "subversivos" que questionavam o moralismo religioso. Na França, em meados do século 18, surgiram os primeiros libertinos, artistas e intelectuais pró-liberdade sexual que se reuniam em organizações secretas como a Sociedade para a Promoção do Vício, Clube do Fogo do Inferno ou Ordem Hermafrodita, onde promoviam leituras ou encenações de livros eróticos que culminavam em orgias. Os franceses tinham à disposição mais de cem desses clubes, alguns com até 400 integrantes entre homens e mulheres.

Oficialmente, o objetivo não era apenas o culto à carne. Quando dava tempo, os participantes também discutiam política. Mais tarde, alguns dos integrantes dessas organizações se juntariam ao pensamento iluminista - o mesmo que lutaria pelo fim da monarquia absolutista na Revolução Francesa. Outros viraram autores que atacavam a nobreza e a moral religiosa. Um deles, Donatien-Alphonse-François, o Marquês de Sade, entraria para a história como um ícone da pornografia.

Nascido em 1740, o nobre foi oficial do exército e se casou aos 23 anos. Como libertino que se preze, apaixonou-se pela empregada da casa, Juliette, a quem dedicou o romance que leva o nome dela. Quando Juliette morreu, Sade partiu para a libertinagem desenfreada, nos clubes secretos. Experimentou num deles aquilo que o tornaria célebre - juntar brutalidade ao sexo, prática conhecida mais tarde por sadismo. Acabou preso na Bastilha, acusado de estuprar e açoitar uma mulher de 36 anos e participar de orgias com flagelações. Foi nessa época que escreveu suas obras mais famosas, Os 120 dias de Sodoma e Os Crimes de Amor. Morreu num hospício, um final de vida comum para os pornógrafos do passado.

"Sade soube retratar, com precisão, o que acontecia na época. E nesses eventos, os participantes muitas vezes incorporavam práticas de brutalidade e tortura ao sexo".

Diz a professora da PUC-SP Eliane Robert de Moraes, autora de Marquês de Sade, Um Libertino no Salão dos Filósofos.

Superinteressante
Edição 212
Abril de 2005

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